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Manoel Santos: referência histórica na luta e na defesa da classe trabalhadora

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Por viver muitos anos dentro do mato
Moda ave
O menino pegou um olhar de pássaro -
Contraiu visão fontana.
Por forma que ele enxergava as coisas
Por igual
como os pássaros enxergam.
(Manoel de Barros)

 

Manoel Santos, sertanejo negro, nascido em 07 de abril de 1952, no Sitio Jatobazinho, município de São José do Belmonte, no Sertão de Pernambuco. Um bisavô negro quilombola e pais agricultores Sem Terra, lhe deram a coragem de sempre lutar contra a exploração, a miséria e amar com tanta intensidade a terra. Terra que começou a trabalhar com sete anos de idade para ajudar seus pais na lida para manter e alimentar uma família de dez filhos.

Forjado no trabalho sempre teve iniciativa para superar as adversidades, imposta pelo contexto social, seja com dezesseis anos quando assume de plantar sua própria roça como meeiro, para ajudar na melhoria da vida da família, seja com dezoito anos quando migra para Irecê na Bahia para se assalariar na colheita do feijão, como forma de resistir ao trabalho semiescravo das Frentes de Emergência, implementadas pela grande seca de 1970, que assolou o sertão pernambucano.

O retorno das chuvas, a saudade de Serra Talhada e da família, fizeram com que voltasse um ano depois, com muitas novidades: a aprendizagem de novas técnicas de manejo da terra, com tração animal, novas formas de armazenamento dos produtos agrícolas, associação do criatório com a produção agrícola, que passa a ensinar a família e a comunidade, estimulando os mutirões, para incentivar a ajuda mútua e melhoria da produção nas comunidades, essas experiencias vividas de forma individual e coletiva, vão assumindo uma dimensão política, quando em 1972, se envolve em duas organizações que irá mudar os rumos de sua vida pessoal e coletiva:

-A participação na Ação Católica Rural: levado por sua mãe Dona Maria Rosa, participou de uma reunião realizada pela coordenação da ACR, na comunidade do Laranjo. A ACR buscava organizar os camponeses contra a violência institucionalizada pela ditadura militar e a exploração dos latifundiários, o que possibilitou seu encontro com Padre José Servat e Padre João da Cruz (dois franceses que estavam trabalhando na região), e com Dona Elvira (uma das principais lideranças femininas no movimento, que atuava na região do agreste e sertão pernambucano, e que teve um papel fundamental na entrada de Manoel Santos na ACR). Manoel foi militante da ACR, entre os anos de 1973 a 1978, isso lhe possibilitou um maior conhecimento da realidade camponesa no sertão, o que foi fundamental para sua atuação política como militante sindical e partidário.

-A filiação ao Sindicato de Trabalhadores\\as Rurais de Serra Talhada, sendo em seguida eleito primeiro suplente e, em seguida, assumiu a função de tesoureiro, e em 1978 tornou-se presidente, num momento importante para a retomada da luta no sindicalismo, visto que foram realizadas eleições sindicais, em vários sindicatos do Estado, com uma grande participação de oposições sindicais. Além disso, podemos destacar duas ações específicas da organização dos trabalhadores rurais lideradas pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais e pela FETAPE, com apoio da Igreja Católica: A luta do Travessão de Caiçarinha da Penha contra grandes proprietários criadores de gado, reivindicando que se cercasse coletivamente uma área de cinco mil hectares, impedindo que o gado dos grandes proprietários destruísse as lavouras dos agricultores\\as.

- A luta pelo reassentamento e indenização gerada pela construção da Barragem de Serrinha (1984) foi o caso mais representativo dessa luta, gerando a indignação dos trabalhadores em torno do descumprimento do acordo firmado com o DNOCS, em 1988, desembocando paralisações no canteiro de obras, o reassentamento dos atingidos em função da construção da barragem, indenizações em atraso, ajustes de preços inadequados, etc, isto leva, necessariamente a se inserir nas lutas emergentes no Sertão contra os megas projetos hidrelétricos, dentre os quais podemos citar a luta dos reassentados de Itaparica.

-Na articulação do Polo do Sertão Central para as discussões sobre a seca e a eficácia das soluções adotadas à época para combater seus efeitos, tais como as frentes de emergência e as ações de resistência espontâneas (como os saques nas feiras) ou organizadas pelo movimento, como: denúncias, passeatas, abaixo-assinados, ocupações de prédios e vias públicas, foram fundamentais para um protagonismo deste polo, na mobilização e organização do Fórum Seca, inclusive com a realização do “I Encontro Seca – implicações políticas e formas de convivência – realizado em 1989, em Triunfo, carece ressaltar que além de ser uma sementeira do paradigma da convivência com o semiárido, este encontro também deu visibilidade a situação das mulheres na Seca, e sua participação no sindicalismo, nesta perspectiva precisamos ressaltar o papel fundamental da Companheira Vanete Almeida.

Essas experiencias humanas e sociais que foi vivenciado, foram constituindo sua formação política e social, e ao mesmo tempo que contribuía para a formação da classe trabalhadora do Campo, também foi construindo sua consciência de classe enquanto tal: camponês, vaqueiro, sertanejo, negro descendente de quilombolas e Sem Terra. Isso levou a ampliar sua participação e ocupar outros espaços e frentes de luta!!!!
Manoel Santos participou do processo de construção da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em Pernambuco, sendo o primeiro trabalhador rural a assumir uma secretaria na Central em 1983. Desse período, remonta sua relação com o presidente Lula, pela construção do Partido dos Trabalhadores (PT) no estado, e consequentemente, seu compromisso com a construção partidária, principalmente nos municípios do interior do Estado.

Em 1990, assume a secretaria geral da FETAPE, e de 1993 a 1998 sua presidência, trazendo as demandas do sertão e do agreste para a pauta da federação: a luta por terra, a produção agrícola familiar, a seca e a fome, os reassentados de barragem e a importância da filiação a Central Única dos Trabalhadores – CUT, sempre com a preocupação que a luta dos trabalhadores e trabalhadoras do campo estivessem articuladas na Central Sindical, junto com as categorias urbanas.

Na direção da Fetape inúmeras lutas foram travadas tanto no que se refere a organização sindicalfortalecida em todos os polos do Estado: a constituição das secretarias específicas, o debate sobre a formação sindical como estratégica a ação da Federação, a construção do diálogo com outras organizações sociais e movimentos – certamente uma das marcas de Manoel Santos sempre foi a busca permanente pelo diálogo. Contudo, precisamos destacar duas lutas emblemáticas para o movimento sindical, e que também foram para ele como militante e dirigente:

-O ato de ocupação da Sudene, em 16 de março de 1993, como uma ação resultante de várias articulações entre o movimento sindical e organizações, no âmbito do Fórum Seca, que desembocaram numa mobilização do movimento sindical na região nordeste e na construção de um Plano Permanente de Ações para o Semiárido Brasileiro. Sem dúvida esta luta inaugurou novas bandeiras de lutas, novos sujeitos e territórios rurais que passaram a ocupar a agenda política da Fetape e dos Sindicatos.

-O processo de construção da autogestão do Projeto Harmonia-Catende, como resultado de toda uma história de conflito e de síntese entre novas e velhas práticas e estruturas. Como a participação dos sindicatos e da Fetape em todo o processo gerou uma repercussão nacional, sobre a falência das usinas, a co-gestão de atividades produtivas a partir de uma massa falida, lembro até hoje, quando falava que: “ao assinar a Carta de Compromisso, não dormiu a noite pensando no desafio de um sertanejo, assumir o compromisso da produção de toneladas de açúcar sem sequer ter nunca plantado uma cana”. Não tenhamos dúvida como essa luta trouxe ensinamentos importantíssimos para todo o movimento sindical no que se refere a organização na zona canavieira, a economia solidária e a autogestão.

Essa sua contribuição as lutas dos trabalhadores e trabalhadoras se amplia quando em 1998, assume a Presidência da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), em pleno auge do Governo FCH e do Plano Real, começa a discutir e pressionar políticas fundamentais para agricultura familiar como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), a luta pela Previdência Social, a luta pela Reforma Agrária e políticas públicas, numa forte defesa do que estas políticas representavam para o avanço do PADRSS.

Na organização interna do MSTTR, sua ênfase na importância da formação sindical, teve um papel determinante na criação da Escola Nacional de Formação da Contag – Enfoc; na inserção do debate sobre Educação do Campo; na constituição das secretarias específicas de mulheres, juventude, terceira idade, meio ambiente; no posicionamento do movimento nos processos eleitorais nacionais e estaduais, e na importância das candidaturas orgânicas do Movimento.

Manoel Santos contribuiu ativamente na elaboração do Plano de governo do Presidente Lula, em 2002, e na elaboração e implantação das principais políticas públicas para o desenvolvimento rural sustentável, a partir da mobilização e organização do movimento sindical, especialmente os Gritos da Terra Brasil, as Marchas da Margarida, os Festivais da Juventude Camponesa.

Seus desafios se ampliaram quando em 2010, o debate coletivo lhe convoca para disputar uma vaga na Assembleia Legislativa de Pernambuco, e se torna o primeiro agricultor familiar, deputado estadual por dois mandatos consecutivos. “Mudou o roçado, mas a enxada permaneceu a mesma”: a responsabilidade, o compromisso com as causas populares, o diálogo permanente com as organizações sociais, a base da categoria na perspectiva de uma atuação parlamentar coletiva e propositiva. Isso resultou numa postura de respeito por toda a Assembleia ao seu trabalho, e numa visibilidade as pautas da: Agricultura Familiar e a produção agroecológica, a luta pela terra, a Convivência com o Semiárido, a luta pela titulação das comunidades quilombolas e ao direito a saúde das populações camponesas, dentre outras.

Sempre combateu o bom combate, reconhecido pelos trabalhadores e trabalhadoras, e pelas diversas autoridades do Estado e do País, que mesmo quando discordavam de seus posicionamentos políticos, o respeitavam por sua postura firme, serena, ética e comprometida com as causas sociais que defendia. Conforme dito, por outra liderança camponesa: “Manoel Santos, foi um camponês que foi crescendo junto com as lutas da Classe trabalhadora”, que nunca perdeu a simplicidade na lida com o gado, de tomar um cafezinho na casa dos vizinhos, de trabalhar em mutirão na roça de lutar pelo acesso à terra e as políticas públicas. Com saudade e alegria de ter compartilhado com ele muito dessa caminhada na luta pela terra, pela justiça social, por políticas públicas e sociais, pela organização da classe trabalhadora do campo e da cidade. Manoel Santos, presente! Viva as organizações dos Povos Camponeses! Viva a Classe Trabalhadora!

Maria do Socorro Silva
Educadora Popular e Companheira de Manoel Santos
08 de dezembro de 2021 – Dia de Nossa Senhora da Conceição

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